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Entrevista

Escrito por José Valmei Bueno | Publicado: Segunda, 09 de Julho de 2018, 10h56 | Última atualização em Quarta, 28 de Novembro de 2018, 15h57

Aos 101 anos, Diretor na década de 1940 recorda história da instituição

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Com a história de João Fernandes de Souza, Diretor na década de 1940, o Campus Inconfidentes marca o início dos trabalhos do novo Portal de Comunicação. No ano em que a instituição celebra 100 anos de fundação, o relato deste personagem é inspiração para os servidores públicos federais.

A chegada

Era junho de 1945 quando o jovem João Fernandes de Souza chegou para assumir o cargo de Diretor-Geral da Escola de Iniciação Agrícola “Visconde de Mauá”, hoje IFSULDEMINAS- Campus Inconfidentes. Ele havia sido nomeado pelo Presidente da República, Getúlio Vargas.

Por volta das dez horas da noite, João Fernandes, então com 28 anos, desembarcou na antiga estação ferroviária de Ouro Fino (MG), vindo do Sergipe, onde trabalhava como servidor público militar.

No dia seguinte da chegada a Ouro Fino, servidores do antigo Patronato Agrícola enviaram uma charrete para apanhá-lo e trazê-lo até ao Núcleo Colonial Inconfidentes, onde trabalharia por 3 anos. “Me disseram que havia carro, casa, água e luz. Cheguei e não tinha nada”, recordou o professor que é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agronomia e Veterinária de Campos dos Goytacazes (RJ), acerca das dificuldades e dos desconfortos próprios daquele tempo.

O ambiente da época

Foto Ambiente da época 2Na época em que foi nomeado para o cargo de Diretor-Geral, o ambiente na antiga Escola de Iniciação Agrícola era de tensão e de insegurança devido a um assassinato ocorrido na porta do almoxarifado da instituição. “O almoxarife da escola matou o concunhado. Por isso, a escola ficou abandonada”, recordou com lucidez João Fernandes, no auto dos seus 101 anos de idade.

Devido ao clima de medo instalado, quando chegou, ele se apresentou como chefe do Núcleo de Zootecnia. “O Diretor anterior, Milton Miranda, correu da escola. As autoridades que me enviaram a Inconfidentes foram honestas e me disseram que a escola estava abandonada por causa deste fato,” completou.

De acordo com o ex-Diretor, nos primeiros dias de trabalho, o almoxarife acusado do assassinato entrou repentina e violentamente no gabinete onde ele estava trabalhando. Olhando firmemente no rosto do assassino disse:

- Eu sei quem você é e não tenho medo de homem algum!

Se impondo pela força, Fernandes aplicou no almoxarife um golpe de defesa aprendido no período em que serviu o Exército. “Tive que me impor pela força para recuperar a escola”, recordou.

Na época da chegada de João Fernandes a Inconfidentes podia ser contado cerca de 6 alunos. Segundo descreve Fernandes, a situação em que viviam os estudantes era degradante. “Eles estavam descalços, maltrapilhos e sem nenhum apoio. O índice de pneumonia nos alunos era muito grande”, relembra.

Cartas para aumentar o número de estudantes

Foto aumento estudantes 3Sob a gestão de João Fernandes de Souza, a Escola começou a implantar uma política para atrair alunos de outros Estados do país, como Paraná, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, além de São Paulo e de outras localidades de Minas Gerais.

Naquele período, não havia interesse da comunidade e da região pela instituição. “Um dia perguntei a José Doná (Morador do Núcleo Colonial):

- Por que você não coloca seus dois filhos na escola?

Ele respondeu:

- Não coloco porque eu, como carroceiro, ganho mais do que a professora!"

Mas aos poucos, o número de estudantes foi aumentando. Para isto, João Fernandes usou uma estratégia de comunicação comum na época: o envio de cartas. “Eu mandava correspondência para colegas de Ministério e amigos pedindo para mandar estudantes para nós. Assim, entramos numa dinâmica de trabalho”, disse o diretor da época, frisando a necessidade de mudar a visão pejorativa da comunidade e da região referente ao estabelecimento. “Pouco a pouco fomos ganhando a confiança da região e foram chegando alunos de diversas partes do Brasil”, comemorou Fernandes.

Sem privilégios

De acordo o gestor da época, outra medida para recuperar a credibilidade da instituição foi abandonar o costume deixado pelos Diretores antepassados de usufruir de charretes, como meio de locomoção considerado confortável. Ele optou pelo hábito de percorrer as lavouras da Fazenda Escola montado no cavalo. “Não queria privilégios. Queria restabelecer a credibilidade da escola. A charrete era um privilégio”, defendeu.

Com o crescimento do número de estudantes, era preciso expandir também o quadro de servidores. “Contratei operários, professores, enfermeiro, técnicos em jardinagem, agrícolas e agropecuários, dentre eles, Gilberto Henriques, que se tornou Diretor”, relatou o professor João, destacando o resultado desta política. “Nos tornamos autossuficientes na produção de arroz e de leite. Passamos a fazer exposições de flores,” contou ele sobre a fase de credibilidade, de consolidação e de confiança introduzida na escola por meio da organização da equipe de servidores.

O dia a dia

Foto Cotidiano dos alunosO dia a dia dos alunos era organizado em aulas teóricas de português, ciências e matemática e aulas práticas de agricultura e trabalho no campo. Os adolescentes eram divididos em dois grupos. Enquanto, de manhã, um grupo estudava o outro trabalha na fazenda. No período da tarde, havia o revesamento dessas atividades. “Cheguei à conclusão de que o Brasil só se desenvolveria se o nosso caboclo estivesse preparado para produzir. Este é o motivo do trabalho na escola”, teorizou João Fernandes sobre o lema da época:“Aprender fazendo”.

 

A casa mal assombrada

Foto casa mal assombradaNos anos anteriores à década de 1940, os Diretores do Patronato residiam em uma casa de esquina edificada para ocupação dos Diretores do Núcleo Colonial, localizada próxima ao Vila Rica Clube, no cruzamento entre a Avenida Alvarenga Peixoto e a Rua Engenheiro Álvares Maciel.

No entanto, a casa ficou abandonada desde a década de 1930, quando o Diretor da escola de 1941 a 1945, Ramiro Saturnino Rodrigues de Brito, faleceu no local, vítima de tuberculose.

Como moradia, foi indicado a João Fernandes um quarto localizado na antiga Cooperativa dos funcionários da Escola, próximo a uma ponte de madeira sobre o Rio Mogi Guaçu que dava acesso a Borda da Mata. O quarto não apresentava as mínimas condições de conforto e, por isso, João Fernandes ordenou a desinfecção da antiga casa dos Diretores que, segundo ele, era considerada mal assombrada pela comunidade. “A casa era considerada mal assombrada. Tinha uma coisa que andava em cima do forro. Mandei ver o que era. Era uma coruja branca”, contou Souza em tom de descontração. “Jogamos cal pelo piso e pelas paredes para desinfectar a casa”, completou, recordando o sentimento da solidão ao morar sozinho, por seis meses, em uma casa histórica. “Quando chegou dezembro eu me casei e trouxe minha esposa para morar comigo”, contou o Engenheiro Agrícola sobre a companheira Maria da Penha Campos Fernandes com quem está casado há 73 anos.

O legado

Foto Família João Fernandes 2Natural da cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), João Fernandes de Souza, nasceu em 14 de outubro de 1916. Ele é filho de um grande fazendeiro do norte do Estado do Rio de Janeiro, produtor de cana de açúcar e de gado leiteiro. Além disso, seu avô era proprietário de uma fazenda em Governador Valadares (MG), onde criava gado de corte.

Em fevereiro de 1948, professor João Fernandes de Souza foi aprovado como bolsista na Universidade Rural Fluminense e se despediu de Inconfidentes. Depois da Escola de Iniciação Agrícola "Visconde de Mauá", o próximo desafio profissional do servidor foi a Direção da Escola Benjamim Constant, no Sergipe. “Minha melhor contribuição a Inconfidentes foi restabelecer o funcionamento da escola. Foi compensador retirar a instituição do caos e deixá-la organizada e conceituada no cenário nacional”, concluiu, João Fernandes, a entrevista dada no alpendre de sua casa, em um bairro residencial de Campos dos Goytacazes, onde atualmente reside, cercado do afeto da esposa, filhos, netos e bisnetos portugueses.

 


Comentários   

0 #7 Lucilene 24-08-2018 08:19
Adorei a história da casa mal assombrada. Não sabia que uma coruja branca pudesse assombrar alguém! rsrs
É muito importante as pessoas lerem e se informarem sobre as histórias de nossa querida Escola Agrícola.Muito valioso para todos. Temos que ter muito orgulho de nossa história. De como era antigamente e como chegou até aqui.
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+2 #6 Paulo Roberto Ceccon 13-08-2018 10:47
Parabéns ao sr. João Fernandes, homem dedicado que deixou um legado para todos nós pela sua persistência e vontade de criar uma escola que desse educação para tantas pessoas, como ex-aluno e servidor desta escola não tenho palavras para agradecê-lo, que Deus lhe dê vida e vida em abundância. O senhor é um exemplo!
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+1 #5 Rony Corrêa 08-08-2018 19:09
Parabéns ao IF pela reportagem e homenagem ao Sr. João Fernandes. Bela história viva de uma pessoa que contribuiu de modo significativo à manutenção e prosperidade dessa instituição de ensino; em tempos tão difíceis como aqueles. Gostaria de confirmar se o diretor Ramiro Saturnino Rodrigues de Brito, citado por João Fernandes, poderia ter alguma ligação com o Engenheiro Sanitarista e Urbanista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito. Saturnino de Brito também era de Campos dos Goytacazes e foi um dos maiores urbanistas do Brasil e pioneiro na engenharia sanitária. Creio que Ramiro possa ter sido seu sobrinho.
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0 #4 Maria Elizabete Dias 02-08-2018 21:22
Meu pai,Sebastião Dias,que era funcionário da escola,falava muito de João Fernandes.Dizia que ele era austero e exigente,mas reconhecia aqueles que eram cumpridores de seus deveres e que ele realmente percorria a fazenda a cavalo para fiscalizar tudo.Comentava que ele tinha um bom coração;o primogênito de meus pais,ainda recém nascido,adoeceu...e qual não foi a surpresa deles quando o sr João Fernandes apareceu para uma visita e saber se estavam precisando de ajuda...gratidão!!!
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+1 #3 Michely 02-08-2018 13:38
Exemplo de homem, de dedicação ao estudo e ao próximo. Linda historia!
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+2 #2 Ana Regina Fernandes 02-08-2018 13:19
O que falar desse homem secular !? Mudou para melhor todo lugar por onde passou . Agrônomo / militar da época da segunda guerra mundial . Está super vivo , atual em tudo pois minha mãe le para ele , que enxerga pouco as pequenas letras , jornal Folha da manhã , O Globo . Politizado , nos ensinou a não sermos omissos e trabalharmos para também o bem comum .Passa valores republicanos aos netos e bisnetos . Parabenizo a todos do Campus do reconhecimento em vida !Sao maravilhosos ! Da viagem que vocês num gesto de diamantes , para reconhecer o valor de João Fernandes , que em 4/10 próximo , fará 102 anos comendo sua carnezinha de porco e ... torresmos ! Gratíssima a vocês , Ana Regina Campos Fernandes
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+4 #1 Joana Maria do Vale 01-08-2018 07:47
O reconhecimento pelo campus Inconfidentes, desse desbravador sr. João Fernandes é gratificante para ele e para seus familiares, como também é motivo de muito orgulho para todos nós. Que bom conhecer mais essa história da atual Instituição de Ensino.Parabéns pela entrevista. Parabéns pelo excelente trabalho de todos vocês. O novo portal ficou chic, com certeza ficará cada vez melhor e fácil de navegar.
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