Entrevista
Aos 101 anos, Diretor na década de 1940 recorda história da instituição
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Com a história de João Fernandes de Souza, Diretor na década de 1940, o Campus Inconfidentes marca o início dos trabalhos do novo Portal de Comunicação. No ano em que a instituição celebra 100 anos de fundação, o relato deste personagem é inspiração para os servidores públicos federais.
A chegada
Era junho de 1945 quando o jovem João Fernandes de Souza chegou para assumir o cargo de Diretor-Geral da Escola de Iniciação Agrícola “Visconde de Mauá”, hoje IFSULDEMINAS- Campus Inconfidentes. Ele havia sido nomeado pelo Presidente da República, Getúlio Vargas.
Por volta das dez horas da noite, João Fernandes, então com 28 anos, desembarcou na antiga estação ferroviária de Ouro Fino (MG), vindo do Sergipe, onde trabalhava como servidor público militar.
No dia seguinte da chegada a Ouro Fino, servidores do antigo Patronato Agrícola enviaram uma charrete para apanhá-lo e trazê-lo até ao Núcleo Colonial Inconfidentes, onde trabalharia por 3 anos. “Me disseram que havia carro, casa, água e luz. Cheguei e não tinha nada”, recordou o professor que é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agronomia e Veterinária de Campos dos Goytacazes (RJ), acerca das dificuldades e dos desconfortos próprios daquele tempo.
O ambiente da época
Na época em que foi nomeado para o cargo de Diretor-Geral, o ambiente na antiga Escola de Iniciação Agrícola era de tensão e de insegurança devido a um assassinato ocorrido na porta do almoxarifado da instituição. “O almoxarife da escola matou o concunhado. Por isso, a escola ficou abandonada”, recordou com lucidez João Fernandes, no auto dos seus 101 anos de idade.
Devido ao clima de medo instalado, quando chegou, ele se apresentou como chefe do Núcleo de Zootecnia. “O Diretor anterior, Milton Miranda, correu da escola. As autoridades que me enviaram a Inconfidentes foram honestas e me disseram que a escola estava abandonada por causa deste fato,” completou.
De acordo com o ex-Diretor, nos primeiros dias de trabalho, o almoxarife acusado do assassinato entrou repentina e violentamente no gabinete onde ele estava trabalhando. Olhando firmemente no rosto do assassino disse:
- Eu sei quem você é e não tenho medo de homem algum!
Se impondo pela força, Fernandes aplicou no almoxarife um golpe de defesa aprendido no período em que serviu o Exército. “Tive que me impor pela força para recuperar a escola”, recordou.
Na época da chegada de João Fernandes a Inconfidentes podia ser contado cerca de 6 alunos. Segundo descreve Fernandes, a situação em que viviam os estudantes era degradante. “Eles estavam descalços, maltrapilhos e sem nenhum apoio. O índice de pneumonia nos alunos era muito grande”, relembra.
Cartas para aumentar o número de estudantes
Sob a gestão de João Fernandes de Souza, a Escola começou a implantar uma política para atrair alunos de outros Estados do país, como Paraná, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, além de São Paulo e de outras localidades de Minas Gerais.
Naquele período, não havia interesse da comunidade e da região pela instituição. “Um dia perguntei a José Doná (Morador do Núcleo Colonial):
- Por que você não coloca seus dois filhos na escola?
Ele respondeu:
- Não coloco porque eu, como carroceiro, ganho mais do que a professora!"
Mas aos poucos, o número de estudantes foi aumentando. Para isto, João Fernandes usou uma estratégia de comunicação comum na época: o envio de cartas. “Eu mandava correspondência para colegas de Ministério e amigos pedindo para mandar estudantes para nós. Assim, entramos numa dinâmica de trabalho”, disse o diretor da época, frisando a necessidade de mudar a visão pejorativa da comunidade e da região referente ao estabelecimento. “Pouco a pouco fomos ganhando a confiança da região e foram chegando alunos de diversas partes do Brasil”, comemorou Fernandes.
Sem privilégios
De acordo o gestor da época, outra medida para recuperar a credibilidade da instituição foi abandonar o costume deixado pelos Diretores antepassados de usufruir de charretes, como meio de locomoção considerado confortável. Ele optou pelo hábito de percorrer as lavouras da Fazenda Escola montado no cavalo. “Não queria privilégios. Queria restabelecer a credibilidade da escola. A charrete era um privilégio”, defendeu.
Com o crescimento do número de estudantes, era preciso expandir também o quadro de servidores. “Contratei operários, professores, enfermeiro, técnicos em jardinagem, agrícolas e agropecuários, dentre eles, Gilberto Henriques, que se tornou Diretor”, relatou o professor João, destacando o resultado desta política. “Nos tornamos autossuficientes na produção de arroz e de leite. Passamos a fazer exposições de flores,” contou ele sobre a fase de credibilidade, de consolidação e de confiança introduzida na escola por meio da organização da equipe de servidores.
O dia a dia
O dia a dia dos alunos era organizado em aulas teóricas de português, ciências e matemática e aulas práticas de agricultura e trabalho no campo. Os adolescentes eram divididos em dois grupos. Enquanto, de manhã, um grupo estudava o outro trabalha na fazenda. No período da tarde, havia o revesamento dessas atividades. “Cheguei à conclusão de que o Brasil só se desenvolveria se o nosso caboclo estivesse preparado para produzir. Este é o motivo do trabalho na escola”, teorizou João Fernandes sobre o lema da época:“Aprender fazendo”.
A casa mal assombrada
Nos anos anteriores à década de 1940, os Diretores do Patronato residiam em uma casa de esquina edificada para ocupação dos Diretores do Núcleo Colonial, localizada próxima ao Vila Rica Clube, no cruzamento entre a Avenida Alvarenga Peixoto e a Rua Engenheiro Álvares Maciel.
No entanto, a casa ficou abandonada desde a década de 1930, quando o Diretor da escola de 1941 a 1945, Ramiro Saturnino Rodrigues de Brito, faleceu no local, vítima de tuberculose.
Como moradia, foi indicado a João Fernandes um quarto localizado na antiga Cooperativa dos funcionários da Escola, próximo a uma ponte de madeira sobre o Rio Mogi Guaçu que dava acesso a Borda da Mata. O quarto não apresentava as mínimas condições de conforto e, por isso, João Fernandes ordenou a desinfecção da antiga casa dos Diretores que, segundo ele, era considerada mal assombrada pela comunidade. “A casa era considerada mal assombrada. Tinha uma coisa que andava em cima do forro. Mandei ver o que era. Era uma coruja branca”, contou Souza em tom de descontração. “Jogamos cal pelo piso e pelas paredes para desinfectar a casa”, completou, recordando o sentimento da solidão ao morar sozinho, por seis meses, em uma casa histórica. “Quando chegou dezembro eu me casei e trouxe minha esposa para morar comigo”, contou o Engenheiro Agrícola sobre a companheira Maria da Penha Campos Fernandes com quem está casado há 73 anos.
O legado
Natural da cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), João Fernandes de Souza, nasceu em 14 de outubro de 1916. Ele é filho de um grande fazendeiro do norte do Estado do Rio de Janeiro, produtor de cana de açúcar e de gado leiteiro. Além disso, seu avô era proprietário de uma fazenda em Governador Valadares (MG), onde criava gado de corte.
Em fevereiro de 1948, professor João Fernandes de Souza foi aprovado como bolsista na Universidade Rural Fluminense e se despediu de Inconfidentes. Depois da Escola de Iniciação Agrícola "Visconde de Mauá", o próximo desafio profissional do servidor foi a Direção da Escola Benjamim Constant, no Sergipe. “Minha melhor contribuição a Inconfidentes foi restabelecer o funcionamento da escola. Foi compensador retirar a instituição do caos e deixá-la organizada e conceituada no cenário nacional”, concluiu, João Fernandes, a entrevista dada no alpendre de sua casa, em um bairro residencial de Campos dos Goytacazes, onde atualmente reside, cercado do afeto da esposa, filhos, netos e bisnetos portugueses.
Comentários
É muito importante as pessoas lerem e se informarem sobre as histórias de nossa querida Escola Agrícola.Muito valioso para todos. Temos que ter muito orgulho de nossa história. De como era antigamente e como chegou até aqui.
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